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quarta-feira, outubro 20, 2010

Em servidores e celulares apenas

O Linux foi criado para ser usado em computadores desktop, em máquinas x86 mais precisamente. Linus queria um UNIX que rodasse no PC que tinha em casa para que ele pudesse trabalhar fora da faculdade. Linus sabia que não conseguiria criar o sistema sozinho e pediu ajuda, criando aquele que seria o software livre mais famoso da história, ao menos entre o público de TI.

Mas algo ocorreu entre 1991 e 2010 que impediu que o Linux cumprisse a missão para a qual foi criado, que seria a de se disseminar pelo desktop como uma alternativa aos sistemas proprietários e pagos. O Linux cravou os pés com muita força no mercado de servidores varrendo do mapa os sistemas UNIX e seus likes, mas não impediu o avanço dos servidores Windows. E não fez muito mais que isso, ficando praticamente estagnado na última década no mercado desktop, enquanto assistiu a consolidação do Windows e a ressurreição do Mac OS X, hoje o melhor sistema UNIX para o usuário doméstico.

Sem sobrenome
Não estou sendo completamente justo. O Google tomou para si uma versão do Linux e deu à luz o seu Android Linux. Ops, digo Android. O Google percebeu, como a Canonical e a turma do Fedora e do Debian, que usar o sobrenome Linux é o primeiro passo para que as coisas dêem errado. Essa é a primeira razão pela qual os sistemas que o Google tem feito para integrar seus gadgets à nuvem são baseados em Linux mas não contam isso para todo mundo.

Não chamar o Android de Android Linux era fundamental para que o público aceitasse o sistema que agora equipa milhares de novos smartphones todos os dias. Tenho a impressão de que o nome Linux está, para o usuário “leigo”, carregado de tanto karma quanto o próprio Windows. E não é um karma muito bom. Os netbooks da Asus, os PCs de baixo custo da HP, Dell, etc que são equipados com distribuições Linux de qualidade duvidosa e que são instantaneamente substituídos por cópias piratas do XP fixaram a imagem de um sistema complicado de mexer e que simplesmente não funciona. O dano agora está feito.

Rejeição natural
Basta citar a palavra Linux em um círculo de pessoas que usam computadores e você tem 3 reações bem definidas: os nerds sorriem e elogiam, os leigos não sabem do que se trata e fazem cara de paisagem e os médios fazem careta e dizem que é difícil de mexer. Temos que aceitar que o Linux não vai conquistar mais usuários do que já tem pois ele já é usado por todos aqueles que poderiam usá-lo. O Windows tornou-se bom o bastante para que aqueles que não usam o computador profissionalmente possam tolerá-lo (ele funciona por 10 horas a fio sem travar e não dá tela azul quando conectamos o scanner ou uma máquina digital, é o que basta!). Dentre aqueles que usam o PC profissionalmente existem aqueles que podem usar Linux e aqueles que não podem, por não haver aplicativos, por não ser possível por políticas da empresa, etc. Minha esposa não usaria Linux se eu não a obrigasse portanto ela nunca trocaria o Windows pelo Linux não importa o quão melhor o sistema do pinguim fosse.

Por conta disso o Linux não vai crescer mais. É isso aí, aceite se quiser. O Mac OS X, ao contrário, está experimentando seus dias de glória. Já chegou a 10% do mercado nos EUA e cresce muito no Brasil devendo ter uma participação significativa em breve. Softwares tradicionais de Windows, como o Autodesk AutoCad e jogos, como vários títulos da Valve, estão ganhando versões para Mac comprovando a ascensão do sistema da maçã. E esses softwares continuam ignorando o Linux. O Mac OS X cresce tanto por duas razões fundamentais: é um sistema bom o bastante (ele funciona por 10 horas a fio sem travar e não dá tela azul quando conectamos o scanner ou uma máquina digital, é o que basta!) para o usuário médio e é bem diferente do Windows. Diferente o bastante para ser visto como alternativa legítima e não apenas “mais do mesmo”. Já falei bastante sobre isso e não mudei minha opinião desde então.

Quem é igual perde para quem é diferente
Basicamente o Linux se esforça muito para mimetizar o Windows em vários aspectos e isso faz com que o usuário que quer sair do SO da Microsoft não veja no Linux uma alternativa, mas algo mais parecido com um clone. A primeira impressão do usuário leigo é que trata-se de uma cópia, como aqueles iPods da Pony que encontramos nos camelôs. Você sabe como eles se sentem em relação à isso: não deve ser bom como o original.

Voltando ao Mac vemos que ele têm se popularizado por ser uma alternativa diferente do Windows. Some isso ao fato de os Macs serem PCs idênticos a todos os outros por dentro e poderem, com o advento do BootCamp, rodar Windows nativamente e você tem um concorrente de peso.

Usuários recém-chegados ao Mac adoram o fato de ele não ter um System Tray onde todos os programas tentam enfiar um ícone, mesmo que ele o tenha. Aqui o trunfo do Mac é esconder isso de forma tão competente que a maioria dos usuários sequer sabe que está lá. Eles também apreciam muito o fato como o Dock muda o relacionamento do usuário com o sistema. Pessoalmente acho que, depois de usar o Dock por 6 meses, qualquer usuário de Windows jamais conseguiria ver a barra de tarefas novamente. A consistência visual do Mac também é uma grande evolução e todos os usuários de Windows elogiam muito os ícones e menus do sistema.

O problema do Linux é fácil de notar quando se pensa seriamente sobre tudo isso. Abra qualquer distribuição de Linux com o ambiente que você desejar. Ele será parecido com o Windows ou com o Mac. Os widgets do Ubuntu 10.04 são inspirados nos do Mac, mas uma rápida configuração podem deixá-los no estilo Windows. São exemplos bobos, mas todo o resto de um Linux é assim, copia o Windows ou o Mac. Uma distribuição Linux só adquire personalidade depois de bastante configurada por seu usuário. Você pode achar isso maravilhoso e é por isso mesmo que você usa Linux. Os outros 99% dos usuários domésticos do mundo acham isso terrível pois para eles é complexo demais dar personalidade à um sistema que nasceu imitando outro sistema.

Vantagem móvel
É irônico ver um sistema criado para desktops há quase 20 anos conseguir seu único triunfo mercadológico operando celulares. Na pele do Android o Linux consegue ser, pela primeira vez em sua história, lider de vendas. E em breve será lider em participação de mercado. Por favor, não contem ao Android que no mercado onde ele está sagrando-se vencedor a Microsoft está sem calças, ou que seu principal concorrente não tinha multi-tarefa até poucos meses atrás. Deixem ele aproveitar sua liderança, ele merece.

Eu estava usando meu Samsung Galaxy e pensando comigo como o Linux funciona bem em smartphones. E observando todos os Linux que tenho ao meu redor (um Mandriva, um Debian, um Ubuntu e um Fedora só em casa) notei como ele é deficiente em diversos aspectos de usabilidade em um computador convencional. Não admira que o Chrome OS esteja demorando tanto a ficar pronto. A turma do Google deve estar mesmo suando a camisa para criar uma experiência de uso parecida com a do iPad sobre uma plataforma que se importa tão pouco com o usuário como o Linux no desktop.

Meu Galaxy tem pouca memória RAM se comparado com meu notebook mas o Linux parece preferir rodar no celular. As animações são mais naturais e consistentes. Os menus transparentes renderizam mais rápido. Os aplicativos abrem com uma prontidão admirável. Sinceramente, 15 minutos bastam para perceber que o Android está vencendo o iOS com muita folga. E bastam também para perceber que o Android é um sistema que atende melhor o seu propósito do que as distribuições desktop.

Não é difícil estimar que o futuro do Linux no mundo móvel é mais promissor que no desktop. Adivinhar as razões para isso é o grande exercício.

Peças em seus lugares
Comentei com um grande amigo, desenvolvedor Java profissional, que no momento em que me encontro coloco o Mac OS X no meu desktop como sistema de preferência, o Linux no servidor e no telefone e o Windows na lata do lixo. Risos à parte o fato de o Linux ter lugar no servidor e no celular precisa ser olhado com atenção.

Como um sistema consegue operar servidores e celulares mas não vai bem em desktops? Do ponto de vista da experiência do usuário as distribuições Linux tem feito um trabalho apenas regular. Os efeitos 3D levaram anos para chegar ao desktop e com uma performance tão apagada que nem o Windows Vista conseguiu ajudar o Linux. Ainda não temos uma estrutura de configurações de sistema que todos os programas possam usar, o que faz com que cada programa coloque suas configurações em um lugar diferente e de um jeito diferente. Não há um kit de desenvolvimento de drivers de dispositivo e isso abre espaço para que cada fabricante de cada tipo de dispositivo possa fazer o que quiser ou tenha que fazer muitas coisas sozinho, o que é ainda pior. Para configurar um sistema completo, seu visual e interface, aplicações e configurações de dispositivos você precisa ser muito entendido e paciente. Para a maioria dos usuários desktop isso dá mais trabalho do que os problemas dos outros sistemas e isso vira um problema para o Linux.

Mais ainda, sair de casa e comprar um PC Windows ou um Mac é fácil. Você escolhe o que o computador precisa ter e ponto. Se você for usar seu notebook com Linux vai precisar pesquisar antes para saber o que vai funcionar bem e o que vai dar problema. É praticamente impossível achar um notebook onde tudo funcione como deveria, é quase certo que alguma coisa ficará de fora, alguma coisa pequena provavelmente, pequena e irritante. Se o notebook for um modelo topo de linha, provavelmente isso será ainda pior.

As distribuições falharam em viabilizar um sistema de certificação de compatibilidade de hardware eficiente e isso atrapalhou ainda mais o avanço do Linux no desktop. Em contrapartida o Android é entregue pelo Google com uma lista de requisitos que o hardware precisa ter. Há uma especificação para que o fabricante possa dizer que seu celular é compatível com uma dada versão do sistema móvel. Ao sair de casa para comprar um smartphone com Android você só precisa saber qual modelo quer, ele vai funcionar.

Jogos, dólares e contratos
O Google conseguiu montar um modelo de distribuição de aplicativos para o Android que permitiu a rentabilização do desenvolvimento de aplicativos. O Android Market abriu um canal para que empresas e desenvolvedores autônomos disponibilizem seus programas, e combrem por eles. Com isso vários aplicativos úties, inúteis e, principalmente, jogos apareceram. O modelo é o mesmo da App Store da Apple. Por que nenhuma distribuição Linux pensou nisso?

O Android Market é menos restritivo que o App Store e isso permitiu que alguns softwares maliciosos aparecessem. Mas eles não serão problema, visto que não o foram para o Windows indicando que o usuário típico não vê nisso um impedimento para adotar a plataforma. A velocidade com a qual aplicativos para Android aparecem contrasta com o mundo Linux ondem aplicativos levam anos para sair da fase Beta enquanto amadurecem calmamente suas funcionalidades, todas criadas para substituir suas análogas do mundo Windows. Lembre-se de quantas vezes você leu em fóruns na web “alguém conhece um aplicativo que seja como o xpto do Windows?”.

Herança bendita
O Google conseguiu fazer o Android herdar vários aspectos positivos do Linux sem trazer junto seus aspectos negativos. A performance do sistema é boa e melhora a cada versão, as aplicações são instaladas na forma de pacotes, algo muito simples para o mundo móvel mas que já existia no Linux. Ele funciona muito bem em ambientes com pouca memória. Conecta-se à rede de forma muito consistente, fundamental para um telefone.

O Linux, por sua vez, tem a mania de apresentar ao usuário dezenas de menus de configuração com dezenas de itens para configurar. Quem já abriu as configurações do Compiz sabe do que eu estou falando. Acho que nem mesmo os programadores daquilo conseguem saber para que serve tantas configurações. Programadores possuem o hábito de achar que os usuários entenderão seus programas (e suas configurações) tão bem quanto eles próprios e isso está claro ao longo de várias partes do Linux.

O Google tem a seu favor ser a primeira empresa que faz uma distribuição Linux tendo o ponto de vista do usuário como prioritário. É um pouco injusto com as outras distribuições colocar as coisas desta forma mas olhando para como o Android se comporta me parece que nas próximas versões todas as distros deveriam pensar em como seriam se o usuário não tivesse um teclado no computador.

Futuro sem futuro
Parece claro que o futuro da computação é móvel. Steve Jobs já chegou a afirmar que no futuro apenas aqueles que precisarem trabalhar ou escrever usarão um computador. Todos os outros usarão dispositivos móveis. Se isso for mesmo verdade então o futuro do Linux se parece muito mais com o Android do que com o Ubuntu. E isso é uma coisa boa, porque o Android está indo melhor do que o Ubuntu em seus mercados.

O que as distribuições focadas no desktop poderiam fazer é observar o iOS, Android e ChromeOS em busca de lições sobre o que funciona para o usuário e aprenderem com a prática. Talvez com isso, aplicando alguns dos conceitos da computação móvel e deixando de ter o Windows como exemplo, o Linux consiga modificar suas perspectivas de curto prazo no mercado desktop. Do contrário, além de migrar para o mundo móvel onde o Linux pode manter certa vantagem com o Android, o usuário pode acabar escolhendo o Mac OS ou o Windows para trabalhar e escrever e relegue o Linux aos seus celulares e servidores.


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