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terça-feira, agosto 22, 2006

A Janela de Raymond

Eric Raymond polemizou na Linux World desse ano, disse que se o Linux não engrenar no mercado doméstico agora irá levar outros 30 anos para ter uma nova oportunidade de tentar. Trinta anos, segundo Raymond é o tempo que vai passar até que uma nova geração ou arquitetura de processadores esteja pronta para ir ao mercado e assumir posição de destaque. Seria apenas aí que o Linux poderia se colocar em posição de suplantar a dominação do Windows (que chega a 95% nos desktops domésticos).

E o Cell, ou Cell BE do consórcio STI (Sony, Toshiba, IBM)? Raymond esqueceu que o Cell é uma nova arquitetura que estará chegando agora no final de 2006 aos consoles de games mas que pode levar alguns anos para aparecer em computadores pessoais? Esqueceu que talvez o próprio PS3 seja um computador pessoal e que talvez por isso a IBM tenha vendido sua divisão de PCs e notebooks? Esqueceu que se o PS3 for console, Blu-ray player e um computador poderoso, tudo ao mesmo tempo o seu preço (que agora é muito alto) pode tornar-se relativamente barato? Esqueceu que a Sony pretende colocar até o final deste ano 2 milhões de máquinas rodando Linux em casas de usuários ao redor do mundo todo? Todo esse quadro faz parte da janela que o Linux está perdendo, segundo Raymond. O consórcio STI termina o desenvolvimento de um chip sobre o qual ouvimos falar muito, mas que poucos viram rodando, então não dá pra saber o que esperar. Dá pra saber que o Linux já roda nele (inclusive com suporte oficial no kernel) e que o Windows ainda não. E que mesmo com a IBM afirmando que não irá impedir este ou aquele sistema de ser portado para a plataforma pode haver um espaço de 3 ou 4 anos até que a MS tenha um sistema operacional que rode sobre Cell, até lá cada unidade desse processador produzida e vendida no mundo rodará Linux, seja no PS3 ou em outro hardware.

Mas e daí? Estamos por acaso em uma guerra santa para derrubar o Windows? Uma jihad contra a MS? Infelizmente às vezes parece que é isso, e apenas isso que preocupa as pessoas. Quando reviso os motivos pelos quais uso Linux não me preocupo com a saúde financeira da Microsoft. Uso Linux porque o sistema é (para mim e minhas necessidades) melhor que o Windows e porque acho caro demais o preço que a MS cobra por uma cópia de um sistema que mais se parece com um queijo suíço (em minha singela opinião). São os meus motivos. Cada usuário de Linux deveria pensar nos seus próprios e assim deveríamos fazer um balanço. Se constatarmos que o nosso objetivo é melhorar o Linux para que possamos continuar usando um bom sistema, ótimo. Se descobrirmos que nosso maior objetivo ao usar Linux é empurrá-lo goela abaixo dos outros para que a Microsoft seja destruída, estamos fazendo asneira. Essa asneira é a essência do pensamento e das palavras de Eric Raymond na Linux World desse ano: moldar o Linux para que usuários que estão satisfeitos com o Windows decidam usá-lo.

Veja, quando alguém diz “O Linux precisa suportar iPod para que os usuários possam adotá-lo no desktop” fico tentado a perguntar porque o cidadão que compra um iPod não aproveita e não compra um Mac de uma vez? Afinal, com o iPod, o objetivo primordial da Apple era esse, incentivar as pessoas a comprarem Macs. Quando isso não deu certo a Apple tornou o iTunes compatível com Windows. A Microsoft não dedicou um segundo sequer de seus pensamentos para fazer o WindowsXP “compatível” com o iTunes ou o iPod. Porque nós deveríamos? “Para fazer o Linux entrar no mercado doméstico” você poderia responder agora e eu pergunto: a troco de quê? De quais coisas que gostamos no Linux teremos que abrir mão para que pessoas que não sabem particionar um disco rígido possam usar Windows. E note que, radicalismos à parte, não saber particionar um disco não é nenhum demérito. Sei que um médico ou advogado não quer aprender a particionar discos para usar seu computador pessoal, poupe-se do trabalho de escrever-me sobre isso. Mas também duvido que esses profissionais queriam aprender algo sobre juros compostos, mas tiveram que fazer isso para assinar o financiamento de seus automóveis e casas. Então a questão não é saber ou não, é não querer aprender. Temos um panorama particular aqui, usuários leigos insatisfeitos com seus sistemas operacionais para leigos desejando conhecer um sistema profissional nascido para servidores, mas sem querer abandonar sua confortável situação de leigos. Alguém aí vai querer defender esta lógica? Para estes usuários o melhor sistema operacional do mercado é o Windows, com suas vantagens e desvantagens. Não precisamos fazê-los migrar para Linux. Eles não se sentirão à vontade pois não querem aprender a usar algo novo, querem tudo da forma como está.

Se você usava Windows e agora usa Linux houve um momento em que você provavelmente pensou “Não quero mais usar Windows”, certo? Foi quando você foi diferente da maioria dos usuários de computador. Não importa se foi em frente à uma tela azul da morte ou se foi quando todas as suas configurações de rede estavam corretas e mesmo assim o sistema insistia em não conseguir navegar na internet ou se foi quando você teve que formatar o HD por causa de um problema sem solução aparente. O que importa é que você se deparou com uma situação que impeliu uma mudança. E se você usa Linux é porque entre um sistema consolidado no mercado doméstico onde tudo parece fácil de fazer e um sistema que atende melhor suas necessidades mas que exigia uma mudança conceitual você, assim como eu, escolheu o segundo. E pagou um preço por isso, preço esse que a maioria dos usuários não está disposto a pagar, como o Computador para Todos nos mostra à duras penas. Usuários compram computadores de baixo custo com duas dezenas de softwares instalados, hardware configurado, tudo funcionando com Linux e SL e formatam (ou pagam alguém para tal) o HD para instalar Windows. O que precisa acontecer para que percebamos que não é a dificuldade de configuração ou instalação de software o grande problema? Esses usuários simplesmente não querem mudar, não importa quão competente ou compatível o Linux seja, elas querem usar o mesmo SO que seus amigos usam. É uma questão de comodidade cultural.

Não é um argumento purista, fanático, ou nada disso. Claro que suporte ao iPod no Linux é uma coisa legal. Mas esse suporte tem que vir da Apple e não da comunidade que mantém o Linux. Enquanto o Linux não suporta iPod é a Apple que está ignorando o Linux, e não o contrário. Então vejo argumentos como o Linux precisar dar suporte à DRM para estar presente nos reprodutores de vídeo digital, porque se o Linux não fizer isso o Windows fará. Não sou contra o suporte a DRM no Linux, sou contra o DRM em qualquer lugar, inclusive no Linux. Meu conceito de direitos digitais tem muito mais relação com os meus direitos do que com os direitos de uma gravadora. Suportar ou apoiar o DRM é dar preferência à escolha da minoria (existem bem menos gravadoras do que ouvintes de música no planeta). Se uma tecnologia não é desejo do mercado, como o DRM, porque o software livre, que deveria privilegiar a liberdade está tão preocupado em implementá-la com a desculpa esfarrapada de popularizar um sistema operacional?

Dinheiro. Mas ganhar dinheiro não é errado, pelo contrário. Vivemos em um mundo capitalista e é claro que grandes players do mercado só decidiram apostar fichas no Linux porque viram a oportunidade de fazer dinheiro nele. Então, pelo dinheiro, empresas querem implementar DRM no Linux. Tudo bem, afinal de contas o sistema é software livre e elas podem fazer isso desde que atendam ao disposto na GPL. Mas querer justificar isso tudo com o discurso usado por Raymond, de que isso vai popularizar o Linux e permitir que ele cresça me deixa azedo, porque tem cheiro, cara e cor de embuste. Se eu tiver que escolher entre um sistema que está presente em todos os set-top-boxes da Tivo ou um que não tem DRM novamente eu escolho o último, porque me parece mais consoante com meus interesses enquanto usuário. Por isso não acho que implementar suporte à DRM no Linux vá ser algo bom pra mim, assim sendo eu sou contra. Se vai limitar o mercado de appliances do Linux, não estou nem aí, o Linux tem apenas 1% do mercado doméstico de desktops e eu já vivo muito bem com ele.

O Linux não precisa ter 95% do mercado. O Linux não precisa destruir a Microsoft ou o Windows. Quem estiver pensando por essa linha tem um sério problema porque não conseguiu entender como o mercado funciona. O Linux só precisa ser uma boa alternativa, e isso ele já é hoje. O Linux precisa de suporte de fabricantes de hardware, o que de uma forma ou de outra está acontecendo. Mas tem uma coisa que o Linux precisa muito mais do que isso: uma comunidade de desenvolvedores séria e comprometida. O Linux tem isso hoje e não foi nada fácil edificá-la. Mas um bom atalho para destruí-la está sugerido: vamos nos preocupar com o iPod e com DRMs. Assim em pouco tempo talvez o Linux aproveite essa janela de Raymond e cresça no mercado doméstico. E depois empurre todos os seus bons desenvolvedores para o BSD por ter se tornado parecido demais com o Windows. Então teremos um sistema bem consolidado, que tenta ser simples pela mediocridade, que suporta todas as tecnologias que o mercado quiser empurrar na cara dos usuários e que não atende nossas necessidades. Agora me diga uma coisa: não seria bem mais fácil nós voltarmos a usar Windows?

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Comments:
Veja bem: meu iPod Shuffle se dá super bem com o Rhythmbox no meu Ubuntu. Dizem que o Listen é show de bola também, mas nunca usei.

Olha, Fábio. Acho que não falta nada no Linux. Aliás, falta sim, mas não no Linux: falta os desenvolvedores de software e hardware se tocarem que logo logo o Linux vai ser popular o suficiente pra tomar mercado.

Não estou dizendo que ele vai se popularizar sendo medíocre, não sei se estou me fazendo entender, mas existem boas distros por aí fáceis e boas ao mesmo tempo - como o meu amado Ubuntu.

E eu conheci o Linux justamente quando me cansei dos problemas do Windows! Faz um mês que não toco num PC Windows, pra você ter noção. Eu vejo as pessoas reclamando dos computadores, mas elas reclamam das máquinas, e não do sistema! Aí, eu tiro um CD da bolsa e digo: "Experimente, se não gostar, passa pra frente!"

Pelo menos, eu mostro à esses leigos que não existe só Windows. Decidir usar ou não é com eles.
 
Oi Fabiane!

Já vi diversas pessoas dizendo isso: meu iPod funciona bem no Linux... quando vejo alguém do calibre de Eric Raymond dizendo que precisamos dar suporte à coisas como iPods fico intrigado tentando entender o que ele quer dizer. Talvez seja algo acima da minha compreensão... sei lá.

De toda forma acho atitudes como a sua a melhor que um usuário de software livre pode ter, especialmente em relação ao Linux. Vc passa o CD e deixa que a pessoa decida. Diferente do "você precisa usar isso aqui, pq se não é um idiota" que vejo acontecendo muito por aí. Parabéns!
 
Mais um bom texto por aqui!
Achei que o Rayomond só falou porcarias...
Eu sou um "linux xiita", mas parei a muito tempo de tentar obrigar as pessoas a usar Linux (era bem no estilo "você precisa usar isso aqui, pq se não é um idiota"), pois isso não dá certo e sua postagem anterior já tratou sobre esse assunto. Elas que usem o que quiser, pois eu usando já está ótimo! Cada um sabe o que é melhor para si (contanto que não seja ilícito).

Os motivos de eu ter parado de usar Windows não foram os problemas dele (já "amei" Windows antigamente), e sim porque gostei muito mais do modo de funcionamento do Linux. Adorei o sistema de arquivos, o método de instalação de programas, o controle (no sentido de saber o que estou fazendo), a ideologia e outras coisas, ou seja, o que me fez usar Linux foram justamente as coisas que são diferentes do Windows. Se o Linux se tornar mais um Windows da vida, que motivo terei para usá-lo?


E aí, Fabiane? Esse esquema do Ubuntu é muito bom, sempre que posso faço o mesmo.
 
Eu comparo o Eric Raymond ao próprio Bill Gates. Ele é um cara que não programa, não desenvolve, não contribui diretamente para o sistema sobre o qual ele ganha o seu ganha-pão e tenta a todo custo vendê-lo para o maior número de empresas possíveis.
Ambos não estão preocupados com teorias como interação usuário-computador, ética, usabilidade, o papel da tecnologia na sociedade, o que significa a massificação de um produto específico, etc, etc.
Eles estão preocupados em quanto vale a ação da sua empresa que vende o sistema sobre o qual se sustentam. Estão preocupados na abrangência do sistema sobre o qual eles tiram seus lucros.

Estão preocupados com estatísticas. Não estão preocupados com as pessoas envolvidas no processo todo de desenvolvimento e produção do produto que vendem, nem com o usuário que o consome. Não como pessoas, mas se preocupam com os números que essas pessoas representam.

O Eric Raymond quer vender Linux.

Ele não está preocupado com um SO que serve como, talvez, uma melhor alternativa (no sentido técnico) ao SO dominante no mercado.
Muito menos preocupado com o tipo de usuário que esse SO estará produzindo no futuro, que serão, certamente, pessoas com uma flexibilidade psicológica de aprendizado muito maior, com muito mais desenvoltura diante de desafios e barreiras novas no âmbito do aprendizado. Pessoas que conseguem tomar uma posição de produtoras de conteúdos e soluções, que é o que a tal da Web 2.0 vai profetizar, que é o que a TV Digital vai profetizar. ("Profetizar" porque não necessariamente vai fornecer.)

Em uma palestra no FISL, eu assisti ao Eric Raymond respondendo (mais ou menos do jeito que transcreverei, não exatamente com as mesmas palavras) a um ouvinte que o questionou se ele não se preocupava em manter a cultura do Linux atual (que na minha opinião é uma contra-cultura digital):

Se você ficar se preocupando com ideologias como a FSF, está perdendo tempo.
Você está preocupado em manter as ideologias ou preocupado em vencer?
Você quer vencer ou perder?

Essa é a conduta que o Raymond segue ao se falar de Linux.
Pra ele Linux é só mais um produto com o qual se ganha dinheiro e que ele quer tornar commoditie.

Não que necessariamente ele queira ganhar dinheiro às custas do Linux, mas o único argumento que ele usa ao falar de Linux é sua rentabilidade, etc.

O Linux sob a ótica do Raymond ou o Windows sob a do Bill Gates é a mesma coisa para mim.
 
quando vejo alguém do calibre de Eric Raymond dizendo que precisamos dar suporte à coisas como iPods fico intrigado tentando entender o que ele quer dizer. Talvez seja algo acima da minha compreensão... sei lá.

Quanto a isto, acho que isto dá uma idéia dos motivos da afirmação :p
 
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