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quarta-feira, março 22, 2006

Servidor de aplicações com Linux

Uma das estratégias que acho mais válidas na divulgação do software livre é explicar o que ele consegue fazer que o software proprietário não consegue, ou se consegue exige um investimento muito alto. Com a Microsoft anunciando o atraso do Windows Vista (que novidade!) para Janeiro de 2007 acho oportuno mostrar como o Software Livre pode mandar bem no ambiente doméstico e fazer coisas que o Windows sozinho não faz. Montar um servidor de aplicações é uma dessas coisas que o Linux faz "saindo da caixa" e que para ser feita no Windows precisa de softwares muito caros.

Se você tem várias máquinas em casa, como eu, passa pelo problema de ter que mante todas elas configuradas e atualizadas, seja por segurança, seja para garantir que seus aplicativos e arquivos estarão ao alcance do mouse quando você precisar. Para isso, muito mais econômico que instalar vários sistemas completos e programas, um em cada máquina, é manter um servidor de arquivos e aplicações. Com um pouco de conhecimento básico sobre o funcionamento do GNU/Linux você pode aprontar maravilhas que não só irão impressionar seus amigos que usam Windows, mas também vão economizar um bocado em upgrades de hardware.

A opção por terminais leves (LTSP) pode até ser boa, mas exige bastante estudo e configuração, além do fato de criar um grande tráfego na rede graças à distribuição de broadcasting do NFS. Por isso (principalmente se sua rede for de apenas 10Mbps ou for wi-fi) uma opção mais econômica em uso de banda pode ser uma idéia melhor.

Aqui eu optei pelo XDM. O XDM é uma característica do X Server do UNIX que permite que o servidor de interfaces de uma máquina envie dados para o cliente X de outra. Na prática isso significa que você terá a aplicação rodando e consumindo recursos em um computador e sendo exibida em outro. E a partir daí há dois modos de operar o sistema. Eu uso ambos os modos por aqui e vou descrever como eu faço isso. Pode ser útil se você tiver uma máquina muito boa e outras nem tão boas assim ligadas na rede. Você concentra o uso de recursos no servidor e disponibiliza para todos os usuários um sistema padrão. Você deixa de preocupar-se com o hardware e o software dos clientes e passa a concentrar seus investimentos (monetários e de tempo) apenas no server.

Tenho 3 máquinas na minha rede doméstica e um notebook:
Phoenix: servidor de arquivos, aplicações e máquina para uso pessoal - Pentium III 850MHZ com 740MB RAM e 160GB de HD
Shadowcat: cliente para minha irmã - Pentium III 850MHz com 512MB RAM e 20GB de HD
Mystique: cliente para meus pais - K6II 233MHz com 128MB RAM e 4GB de HD
Rogue: meu notebook - Sempron 1.6GHz com 740MB RAM e 40GB de HD

Note que meu servidor não se destaca tanto em termos de performance de hardware, sendo uma máquina já modesta para os padrões atuais. Teria problemas para rodar o Vista com certeza, mas roda bem o Linux e serve bem para os propósitos. Meu intuíto é manter o parque atual e dentro de 18 meses comprar um hardware mais poderoso para assumir a função de server. A beleza da coisa é que eu não preciso pensar em jogar nada disso fora e nem em atualziar o hardware existente (nem mesmo o K6) já que um servidor mais potente compensará a idade do resto das máquinas.

Phoenix tem um sistema completo, bem instalado, cheio de aplicativos e guarda os arquivos de todo mundo. Ele mantém também usuários para todos na casa e suas configurações. Shadowcat e Rogue são máquinas boas ainda, portanto receberam também sistemas completos e ambas podem operar de forma totalmente independente do servidor, porém elas não guardam arquivos locais. MP3, fotos, vídeos, documentos pessoais, tudo isso está no server. Mystique é completmente dependente do servidor, se Phoenix estiver desligada essa máquina não serve pra muita coisa.

A relação entre Phoenix e Mystique é a primeira de duas opções que comentei ali em cima sobre o XDM. Chamarei ela de dependência completa. Mystique tem apenas um sistema Linux básico e um Xorg configurado para requerer conexão à Phoenix. Quando Mystique é ligada ela entra em modo gráfico e a tela que aparece indica: Bem vindo à Phoenix. O usuário então loga em sua conta sediada no server. Configurações de compartilhamento de arquivo não são necessárias, pois o usuário trabalha como se estivesse em um logon local na própria Phoenix. Seus arquivos, aplicativos e configurações estão todos lá. Esse é o uso ideal para máquinas antigas e com pouco poder de fogo.

As outras duas máquinas tem com o servidor uma relação de dependência parcial apenas. Seus sistemas, interfaces e desktops carregam de maneira totalmente autônoma e funcionam mesmo que o server esteja caído. No entanto quando preciso de alguma aplicação menos comum operando o notebook e ela já está instalada no server o que eu faço é apenas importar a aplicação (que roda e consome recursos no server). O server mantém um compartilhamento de arquivos e impressoras, então mesmo que eu esteja com uma aplicação local em um dos clientes posso usar meus arquivos e imprimir sempre que necessário.

O grande barato é que nesse regime, se eu preciso usar uma aplicação que não existe na máquina local, como o Inkscape, por exemplo que existe apenas no server, não preciso sequer abrir uma interface gráfica completa do server, posso buscar a aplicação de maneira direta. O server enviará os dados relativos à aplicação e ela trabalhará sem sequer precisar usar o compartilhamento de arquivos pela rede, pois ela já está rodando no servidor de arquivos.

O procedimento é totalmente seguro, pois o processo é efetuado via SSH. No caso do Inkscape, por exemplo, para executar o programa a partir do meu notebook apenas preciso abrir um terminal e executar:
[falcon@rogue ~]$ ssh -X phoenix
e efetuar o logon com meu usuário normal. Após estar no shell do server, preciso apenas saber o que quero executar:
[falcon@phoenix ~]$ inkscape
e pronto, a janela do Inkscape aparece na tela do meu notebook, onde o Inkscape não está instalado. Esse procedimento de logon por ssh funciona para praticamente qualquer aplicação que vc queira, e assim é possível manter aqueles programas que todos usam raramente apenas no server. Aqui em casa faço isso com o GIMP, Inkscape, Eclipse, e vários outros.

A melhor estratégia é você usar a dependência completa para aquelas máquinas mais fracas e para as móveis ou para as mais potentes manter sistemas separados. Isso garante autonomia e ao mesmo tempo economia de espaço. Faço isso com meu notebook usando conexão wi-fi e o desempenho é muito bom. Rodar aplicações de maneira remota assim é uma mão na roda para economizar espaço em disco e simplificar parte da manutenção de sua rede doméstica.

Ainda que isso possa ser uma alternativa para pequenas redes empresariais deve-se lembrar que o usuário estará o tempo todo rodando aplicações no servidor (com um usuário com menos direitos) mas ainda assim isso é um fator que compromete a segurança.

Se o uso do shell não agrada, você pode criar ícones no desktop e usar pequenos scripts para abrir conexões ssh de maneira automática e executar o aplicativo. Seria apenas clicar e usar, mas deve-se prestar atenção ao número de conexões ssh pois em grande quantidade elas podem sobrecarregar um pouco o servidor. Mas a rigor uma rede com um servidor e 5 máquinas poderia ser atendita por essa solução "improvisada" e que economiza algums GB de disco e diminui o tempo de manutenção dos clientes da rede.

Para mim é um grande recurso da dupla Linux/Xserver que me permitiu implementar uma funcionalidade que com MS Windows eu não conseguiria (por problemas de custo), que simplifica minha vida para administrar a rede e os terminais, e que no futuro irá me economizar alguns bons trocados, pois em lugar de ter de manter 3 máquinas atualizadas preciso atualizar apenas uma.

Na próxima vez que você falar de Linux para aquele seu amigo que usa Windows, em lugar de dizer que é grátis, experimente falar desse exemplo, talvez impressione mais, já que o Windows dele provavelmente também saiu de graça ;-)

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segunda-feira, março 20, 2006

Evento Desktop Livre

Nos dias 16, 17 e 18 de Março ocorreu em Lorena/SP o evento Desktop Livre, com o objetivo de mostrar à comunidade de usuários de informática o potencial de uso de software livre em desktops. Fui convidado para dar uma palestra sobre algum assunto à minha escolha. Decidi que há muito a ser feito no tocante à migração de usuários para softwares livres e por isso tornei esse o assunto da minha palestra.

Já que falei da minha palestra, ela pode ser baixada aqui:
Arquivo .zip com palestra em formato ODP
Arquivo .zip com palestra em formato PPT (já que o MS Office não abre ODP, e o objetivo é atingir o usuário que ainda não usa Software Livre).

O evento foi organizado na UNISAL (Universidade Salesiana de São Paulo) e teve uma participação modesta do público, talvez pela distância da cidade de Lorena à capital do estado e pelo fato do evento ser realizado em dias de semana quando as pessoas estão envolvidas com suas atividades profissionais. Ainda assim podemos dizer que o público que participou do evento esteve bastante interessado nas coisas que os membros da comunidade tinham a dizer. O público do evento foi composto principalmente por estudantes de áreas relativas à TI e que tinham pouco ou nenhum contato com Software Livre, seus conceitos básicos e sua aplicabilidade prática. Dito isto acredito que o perfil do público estava adequado à proposta do evento.

Muitas palestras focaram-se em aspectos técnicos e filosóficos do software livre e seu mais notável representante, o sistema operacional GNU/Linux. Foi possível passar aos espectadores, com este evento, um panorama de como o software livre pode adequar-se ao uso em desktops, tanto empresarial como doméstico. É sempre bom ter esse tipo de informação chegando ao público em geral, principalmente aquele que nunca usou software livre antes. E bons aspectos tocados no evento merecem destaque.

O primeiro deles é que software livre pode ser usando em conjunto com o software proprietário. Mesmo que o usuário ainda permaneça em uma plataforma não livre, como o MS Windows, por exemplo, ele ainda pode usar e contribuir com o software livre com programas como o Firefox, o OpenOffice, o GIMP, e muitos outros que estão disponíveis para várias plataformas.

O segundo tem relação com a legalidade do software livre. A pouca preocupação das empresas de software com a pirataria (uso ilegal) de seus produtos é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que uma cópia pirata não rende benefícios monetários para a empresa que faz software esta cópia é contabilizada nos estudos e pesquisas que medem o tamanho da base instalada de cada software. No mundo da insdústria de informática o tamanho da base instalada é algo muito importante. Como exemplo claro disso podemos pensar sobre o Windows. Estudos apontam que 80% das cópias de Windows que rodam no mercado doméstico brasileiro são ilegais. A Microsoft do Brasil não recebeu por elas o lucro da venda da licença, o que é um prejuízo. Mas o fato de muitos usuários conseguirem cópias piratas do Windows é o grande fator pelo qual eles usam esse sistema e não importam-se em buscar alternativas. Se a Microsoft do Brasil (ou sua matriz) implementassem um forte recurso para impedir a execução de cópias pirata (como a desativação da cópia pela verificação do serial pelo Windows Update ou a implementação de uma hard-lock para uso do sistema) ela não venderia muito mais cópias do que já vende hoje. Em contrário ela forçaria os usuários impossibilitados ou que não queiram pagar R$ 500,00 por uma cópia a buscarem alternativas menos onerosas para seu uso. Isso permitiria que o GNU/Linux que pode ser conseguido por preços muito baixos (ou até de graça) ganhasse maior atenção do mercado doméstico. A rigor a manutenção de possibilidade de pirataria do Windows pela Microsoft tornou-se fundamental para que ela possa manter sua dominação do mercado doméstico. Devemos ressaltar entretanto que, independente da vista grossa feita pela Microsoft, pirataria é crime segundo a legislação brasileira, sendo seu autor um criminoso. Essa nuance foi sempre constante nas palestras do Desktop Livre, bem como a legalidade onipresente no uso do software livre.

Além disso merecem destaque algumas palestras que foram dadas no evento:
Maurício Toito - Alternativa Linux: que discutiu sobre como o software livre pode trazer benefícios a toda a comunidade e permitir o desenvolvimento de tecnologia local.
Helio Castro - Mandriva Conectiva: que apresentou as qualidades do KDE 3.x e de seus programas e a integração existente entre seus componentes e mostrou os conceitos que estão por trás do desenvolvimento do KDE 4. Ressalto aqui a informação que o objetivo do KDE 4 é ser uma interface totalmente multi-plataforma para Linux, Windows, Mac e UNIX. Isso permitiria que programas desenhados para a Qt4 + KDE 4 rodassem sem muitas alterações em diversos tipos de plataformas e ambientes, reduzindo o custo de manutenção, criação e implementação de software; além de ser um grande convite para que softwares de outras plataformas rodem no GNU/Linux;
Rodrigo Branco - Md Systems Networking: que discutiu sobre a segurança da plataforma GNU/Linux e mostrou várias técnicas de invasão e cracking ao vivo, com o objetivo de concientizar o novo usuário de que o GNU/Linux é mais seguro que o Windows, porém demanda do usuário atenção com sua configuração para que o sistema não seja alvo-fácil para invasões e software malicioso (malware).

Além dessas excelentes palestras o evento contou com apresentações oficiais do Ubuntu e do Debian BR-CDD que apresentaram seus sistemas para o público. Além disso um workshop sobre LTSP foi efetuado nos laboratórios da UNISAL, onde o BR-CDD foi configurado para trabalhar com terminais em 22 máquinas a partir do zero, mostrando para os espectadores a facilidade e praticidade de implantar esse tipo de solução com software livre.

Diversas mesas de debates foram incluídas na programação, em uma até tive a honra de participar. As mesas discutiram com a platéia aspectos como o futuro do software livre, a inclusão digital, e tiraram diversas dúvidas dos participantes.

O balanço final do evento foi bom. Muito material de qualidade foi apresentado e os usuários tiveram a chance de conhecer (melhor) o software livre e ter contato com grandes figuras da comunidade brasileira de usuários. Espero que os organizadores do evento possam torná-lo freqüente no circuíto brasileiro de eventos de software livre e que, na próxima edição, possam trazer mais público para acompanhar as palestras e assim ajudar ainda mais a disseminar o software livre e suas qualidades.

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sábado, março 04, 2006

Grandes empresas e o Software Livre

Larry Ellison, CEO da Oracle, bad boy do mundo de TI e arqui-inimigo de Bill Gates (o Dick Vigarista) causou polêmica ao afirmar que "Existe uma noção muito romântica sobre códigos abertos. Pensa-se que esses desenvolvedores contribuem do nada e não cobram." em uma entrevista cujo link você pode encontrar neste artigo do Notícias Linux.

Ellison disse muitas outras coisas que geraram polêmica nessa entrevista, como: "Todo produto de código aberto que alcançou o sucesso recebeu investimentos de empresas como IBM, Intel e Oracle". Ele está meio-certo a respeito disso. Vários produtos de código aberto atingiram um bom nível de sucesso e reconhecimento sem a ajuda de grandes empresas, um bom exemplo é o Apache, que só foi "adotado" pelos desenvolvedores das grandes depois de já estar bem difundido no mercado. Então a frase de Ellison deveria começar com "A maioria dos produtos de código aberto..." e não com "Todo produto de código aberto...". À excessão disso, Ellison tem muita razão no que falou.

Os esforços da grandes empresas no campo do SL sem dúvida permitiram que os frutos do trabalho da comunidade amadurececem mais rápido. Desde que a IBM anunciou, em 2000, o investimento de US$ 1 bilhão no sistema operacional GNU/Linux muitas outras grandes empresas acompanharam a tendência. O resultado disso é quase invisível para a maioria dos usuários, mas pode ser sentido na pele. Ainda que em meu desktop eu não possua nenhuma aplicação com a marca IBM sei que o dedo dela está lá. Nenhuma outra empresa do mundo tem um time tão grande de profissionais trabalhando no Kernel Linux como a IBM. Se o kernel hoje é melhor, mais estável e mais rápido que antes é fruto do intenso trabalho de milhares de pessoas e empresas, inclusive da Big Blue.

Quem usa Eclipse para desenvolver também deve um pouco para a IBM. Desde que ela comprou a plataforma e usa-a como gestação de seu WebSphere as coisas tem melhorado muito. A Sun fez o mesmo pelo OpenOffice, que hoje é uma real alternativa ao MS Office. Existem outras centenas de bons exemplos de como grandes empresas ajudaram projetos de software livre a tornarem-se mais competitivos e mais usáveis. Mas elas não fazem isso por serem boas amigas do usuário.

Vamos deixar claro que negócios são sempre negócios. Se uma empresa, principalmente uma gigante como a IBM ou a Oracle, não estiver fazendo dólares o bastante com um produto ou segmento de mercado ela irá pular fora, óbvio. Então porque a IBM mandou US$ 1 bilhão de dólares no desenvolvimento de produtos que eu posso ter de graça? Já discutimos muito isso, mas acho um conceito importante.

A IBM, por exemplo, tem uma linha extensa de produtos, serviços e soluções. Antes do Linux aparecer com força no mercado a IBM mantinha uma linha de quase 10 sistemas operacionais distintos. Manter o desenvolvimento de um sistema operacional já é complicado (a MS que o diga...) manter 10 sistemas e fazer todos eles conversarem entre si para poder vender uma solução à um banco é um pesadelo sem fim. Linux para a IBM significa um único sistema em toda linha de produtos e ela ainda ganha o bônus de dividir os custos de desenvolvimento com o resto do mundo. É como descobrir em seu quintal uma mina de ouro!

E a IBM entendeu que mesmo eu não uso o sistema de graça. Mantendo este blog que você lê agora eu estou prestando um serviço à comunidade. É com esse serviço que eu pago as minhas cópias de Linux. Quando eu escrevo um pequeno tutorial de como instalar um driver de vídeo 3D no Linux eu estou ajudando a firmar um ecossistema favorável para o Linux. Quão mais sólido for esse ecossistema, mais fácil será para a IBM (e também para qualquer outra empresa que venda soluções Linux, como a Oracle) vender seus produtos Linux. Isso faz as grandes empresas economizarem dinheiro com desenvolvimento, pois nós estamos ajudando-as a melhorar a plataforma. Em troca recebemos o direito de usar livremente esses produtos que ajudamos a desenvolver.

Não há motivo, entretanto, para que coloquemos essas empresas em um altar. Elas estão fazendo o que acham melhor para seus balanços trimestrais. Eu e você recebemos a vantagem de um efeito colateral benéfico. Sob uma certa ótica me parece uma troca justa. Eu ajudo a IBM a reduzir seus custos e ela me ajuda a reduzir os meus, e ambos ganhamos com isso. A Sun ajuda a desenvolver o processador de textos que eu uso e deixa-me usá-lo de graça, e em troca ela tem um produto melhor para competir com o MS Office junto aos clientes. O que é a essência do software livre em funcionamento prático e compatível com um mundo capitalista. Ideologismos à parte, e eu raramente consigo fazer isso, é um bom negócio para todos, pois todo mundo está ganhando alguma coisa.

A Apple queria ver a comunidade contribuindo para o desenvolvimento do Darwin, e portanto do MacOS. Mas seu modelo de negócios tem como imperativo que o sistema não rode em qualquer PC, por isso ela impede que os usuários a ajudem não liberando muito código fundamental para que os desenvolvedores pudessem contribuir de maneira realmente produtiva. O MacOS só roda em PCs normais com patchs não oficiais e com um desempenho muito ruim, em contrapartida a comunidade consegue contribuir pouco para o desenvolvimento do MacOS. É um exemplo de como uma empresa queria implementar um modelo de desenvolvimento e usar a mão-de-obra da comunidade sem dar algo em troca. Não funciona. Ao menos não funciona como esperado.

A Microsoft tenta fazer o mesmo, com sua MSDN e com o projeto Windows Live. Neste último a MS espera implementar um framework no Vista que permitirá que usuários escrevam applets em .NET para que você adicione funcionalidades ao sistema. Me pergunto o quão afetado alguém precisa ser para trabalhar de graça para a Microsoft, melhorando seu sistema operacional, aceitá-la como co-autora de todo código que produzir e ainda ser cobrado pela compra do sistema em si e pelas ferramentas de desenvolvimento. Pense sobre isso um pouco. Eu te venderei o sistema sobre o qual você vai trabalhar, por US$ 300,00 digamos, mais as ferramentas de desenvolvimento, por mais US$ 500,00, você vai criar código pra melhorar o meu produto, sem que eu te pague um único centavo, e todo código que você criar estará sujeito à um sub-licenciamento meu se você quiser vendê-lo como produto para terceiros!!! Quem é louco o bastante para entrar numa armadilha dessas?

Comparando o modelo de desenvolvimento que foi implementado pelas grandes empresas no software livre, com os implementados pela Apple e Microsoft eu só posso chegar a uma conclusão. A comunidade do software livre está fazendo o melhor negócio possível até agora. Se as grandes que ajudam e beneficiam-se do SL mantiverem este caminho não teremos problemas e elas farão muito dinheiro. E a Microsoft e a Apple perderão o bonde da história nesse caso, pois quando decidirem que o modelo livre é mesmo o melhor e tentarem adotá-lo, sua imagem estará afetada demais para que elas possam receber o apoio da comunidade.

Que os bons projetos de SL tem recebido contribuições importantes das grandes empresas, não há dúvida, concordo com Ellison nesse ponto. Ele só esqueceu de comentar o quanto o SL tem ajudado as grandes empresas a manterem seus negócios cada vez mais lucrativos. Não há favores sendo feitos nesse mercado. Apenas a troca de produtos por mão de obra ao velho estilo, mas com uma roupagem mais moderna e com um sentimento de liberdade implícito no modelo de negociação.

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quarta-feira, março 01, 2006

OpenDocument: ameaça ao MS Office

A suíte Office é um dos produtos de varejo mais lucrativos da Microsoft. Enquanto o Windows custa na faixa de R$ 500,00 a cópia, um pacote Office pode começar em R$ 700,00. Claro que para grandes empresas o preço pode ser bem menor que esse. A câmara dos deputados do Brasil, que iria comprar R$ 6 milões em licenças do MS Office gastaria perto de R$ 11 milhões se a MS cobrasse o preço de tabela de seus produtos. Primeiro problema em usar MS Office, caso você queira comprá-lo para sua casa ou pequeno negócio: você está bancando parte dos custos dos descontos para os grandes. Fazer os pequenos financiarem as compras dos grandes não é coisa de outro mundo, muita gente faz isso, não acho que a Microsoft seja canalha, você poderia dizer. Bem, e se você pudesse obter o mesmo pacote de serviços, com software livre, por um custo muito próximo de zero, o que diria?

Na verdade você pode, o novo OpenOffice 2.0 é muito melhor que as versões anteriores e se você pirateou o MS Office (desculpe, mas duvido que você tenha pago por ele o preço que a MS exige) apenas para uso cotidiano e normal; o pacote aberto irá tranquilamente atender as suas necessidades. Além disso ele é mais leve, mais rápido que o MS Office e é livre!!!

O pessoal do Software Livre sabe que a Microsoft não se importa tanto assim com a pirataria doméstica do Office. Não é aí que a MS ganha dinheiro. Tudo bem, um peixe ou outro cai na rede e compra a caixinha com 1 ou 2 CDs, alguns manuais e paga 2,5 salários mínimos brasileiros por algo que poderia conseguir de graça, mas isso não é a regra. Office rende mesmo no ambiente empresarial. Como a base de usuários é enorme as empresas não precisam treinar os funcionários para usar MS Office. Eles já sabem pois usam suas cópias piratas em casa para arquivar as receitas que pegam no programa da Ana Hickmann ;-) Porque usar um software que ocupa 1.5GB de disco e consome absurdos de RAM quando roda para tarefas tão simples é algo que eu não consigo explicar. Novamente existem centenas de alternativas proprietárias e livres para isso, e não falo apenas de OpenOffice, mas de muitos outros. Uma palavra me vem a mente: ignorância. O usuário ignora que o Office é algo muito profissional, avançado, aliás acho que 90% dos usuários não usam 25% dos recursos disponíveis. Mas todo mundo tem um MS Office instalado em casa, para fazer algo mais que rotineiro: substituir uma máquina de escrever com algumas vantagens. O usuário ignora que precisa tão pouco de um MS Office, ignora que em lugar do Office poderia usar um produto bem menor e mais leve; e ignora enfim que o Office é o que é porque atende à um plano maior da Microsoft: monopolizar o mercado de aplicações desktop.

O Office é pirateado em todo mundo (não apenas no 3o mundo) e a MS não se importa. Sabe que mais Offices rodando, sejam piratas ou legais, significam mais informação sendo guardada em arquivos no formato MS Office. Como o formato é proprietário e não documentado apenas a Microsoft poderá criar um sistema que leia esses arquivos. Ela sabe que seu próximo pacote Office, pirata ou legal, será outro MS Office. Assim ela impede que outros grupos ou empresas concorram com ela. Quem aí usa WordPerfect, ou Lotus Writer? Não fosse o idealismo exacerbado do mundo do Software Livre (que a própria comunidade ama criticar), a Sun (inimiga de longa data da Microsoft) e um punhado de bons programadores com alma de franciscanos talvez nem o OpenOffice existisse mais. Pois o plano da Microsoft tem funcionado.

Não tenho dados da penetração do OpenOffice no mercado doméstico. Talvez sua participação seja apenas um pouco maior que a do Linux em si, ou seja: muito pequena. No mercado corporativo, no entanto, as coisas começam a mudar. Fruto do amadurecimento do OpenOffice e de sua interface estar a cada dia mais próxima do MS Office, assim como as funcionalidades e usabilidade, então não critiquem isso, adoradores do OpenOffice. O fato da suíte livre ficar próxima e mais compatível com a da Microsoft é bom. Abre as portas para que menos treinamento e adaptação sejam requeridos por uma migração. E isso é bom.

Mas devemos nos perguntar o que é melhor: a perfeita compatibilidade com os padrões de arquivo do MS Office ou a adoção total de um padrão genuínamente livre, como o OASIS OpenDocument Format. Minha opinião: OpenDocument. Usar um Office livre mas manter os arquivos em padrão proprietário e compactuar com as intenções de Redmond. A compatibilidade com o MS Office é importante, por enquanto; mas assim que o OpenOffice torne-se mais presente nos ambientes corporativos os formatos proprietários devem ser abandonados imediatamente.

A câmara dos deputados queria voltar a usar MS Office principalmente porque os arquivos antigos e os recebidos de outros órgãos que usam MS Office apresentavam problemas de compatibilidade. Mas não seria justamente essa a razão em adotar SL? Deixar de estar preso a um padrão de uma única empresa? Por que então essa justificativa deva ser aceita para que o processo de escolha de SL seja abortado?

A questão da compatibilidade vai além. Não raro o próprio MS Office apresenta problemas com os seus próprios arquivos de versões diferentes. Ou seja: não há consistência de compatibilidade nem mesmo dentro da própria solução da Microsoft. Talvez porque a ausência de documentação consistente sobre o padrão afete a própria equipe de desenvolvimento do MS Office, tamanho o medo que a empresa tem de que outro software consiga usar seu padrão de maneira produtiva e 100% implementada.

Usando OpenOffice e arquivando dados em OpenDocument suas informações não ficam presas a um software específico. Já adotaram o OD o KOffice e o AbiWord. O TextMaker, o Lotus e o WordPerfect em suas próximas versões também serão compatíveis. Produzir em OpenDocument significa que não importa qual produto de escritório você escolha no futuro, seus dados estarão disponíveis e compatíveis. E essa possibilidade começa a tentar muitas empresas. Mais que isso, essa capacidade dos editores livres, de intercambiarem informação em um formato aberto e plenamente documentado pode tornar-se algo não apenas desejável, mas obrigatório para muitas empresas de todos os portes e governos de várias partes do mundo.

A Microsoft, previsivelmente, não adicionará suporte ao OpenDocument no MS Office. Porque para a Microsoft, permitir que seus usuários gravem arquivos que possam ser lidos em compatibilidade total por outras aplicações é dizer ao mercado que eles estão livres para escolher o melhor pacote Office. E o melhor pacote Office pode ser aquele que oferece 80% da funcionalidade do MS Office, mas a um preço muito menor, às vezes até de graça. Um padrão aberto e livre é o pior pesadelo do MS Office, porque deixa o usuário livre. Sem estar preso a um padrão que confina seus documentos antigos o usuário pode pesar melhor suas necessidades e escolher um produto mais adequado à elas. E nesse aspecto os produtos da Microsoft são normalmente perdedores, já que devido às práticas de mercado da empresa eles não estão acostumados a competir. Aqueles que não competem são normalmente muito ruins no que fazem. Assim por mais vantagens e qualidades que o MS Office tenha para boa parte do mercado ele é como um canhão laser para matar moscas: um produto enorme, pesado, com excesso de funcionalidades e complexidades que a grande maioria do público sequer sabe usar, e é vendido por um preço astronômico. O que sustenta sua liderança de mercado é a proibição latente de mudança de plataforma do usuário pela prisão de seus dados em um formato que ninguém mais no mercado tem a permissão de ler. Ao derrubar essa barreira, o usuário vai poder considerar se outra aplicação não serviria melhor a seus propósitos. E a liderança de mercado do MS Office estará por um fio.

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